Wednesday, September 23, 2009

Cidadania

Como é que se define um bom cidadão? Aquele que ajuda a comunidade, que paga os seus impostos, que é solidário, cortês, que colabora com as autoridades sempre que necessário, que prepara o seu futuro e salvaguarda o dos seus. Há espaço para mais elogiosos adjectivos, mas para o efeito chega.

O bom cidadão respeita também as leis do seu país e vivendo ele num estado de direito (como é o caso português) para além de todos os direitos que lhe assistem (e não são poucos) tem também deveres. Inserem-se nesses deveres a obrigação de reportar um roubo por exemplo, ou prestar auxílio a alguém que manifestamente se encontre em dificuldades. De acordo com a lei, o bom cidadão deve ter este tipo de conduta sob pena em alguns casos de incorrer em infracção (não prestar auxílio por exemplo).

Para além das obrigações previstas na lei, existem também obrigações de carácter moral; ajudar uma senhora a atravessar a rua (a mais clássica) ou ajudar um idoso a pagar uma multa de estacionamento no multibanco (a mais tecnológica).

Tanto no campo legal, como no campo ético, a sociedade e a justiça de mãos dadas impelem-nos a ter comportamentos que ficam a gravitar num vazio patético e só justificável por um sistema que em vez de enaltecer as boas acções, limita-se a atenuar as más; passo a exemplificar com dois episódios recentes (um legal, outro ético) e reais, relatados por uma pessoa próxima.

O episódio legal: o Sr. BC (Bom Cidadão) saiu de casa de manhã e junto do seu canteiro de flores reparou numa mala de senhora com o fecho aberto e remexida. Tinha todo o aspecto da dona da mala ter sido assaltada, os objectos de valor retirados e a mala abandonada no canteiro mais próximo. Começa o dilema do Sr. BC. Se levar a mala à esquadra, ser-lhe-à pedida identificação, e o Sr. BC confia em tudo menos na Justiça portuguesa. Por outro lado começa a pensar que dentro daquela mala podem estar documentos e/ou outras coisas importantes para a pessoa assaltada. Decide então ir à esquadra mais próxima, mas sem a mala. "Bom dia, está uma mala de senhora aparentemente abandonada perto de minha casa. Tudo indica que os assaltantes retiraram o que havia de valor e abandonaram por ali a mala. Se quiserem ir buscá-la a morada é ..." - "Devia ter trazido a mala." - "Eu sei, mas se trouxesse os senhores iam identificar-me correcto?" -"Sim, faz parte dos procedimentos." -"E se apanharem os ladrões eu tenho que ir testemunhar a tribunal correcto?" -"Provavelmente." -"E quem é que me protege em caso de represálias?" -"Já lá vamos buscar a mala."
Será que o Sr. BC procedeu bem? Numa nano pesquisa que fiz junto de 10 amigos todos responderam que adoptariam o mesmo comportamento e também pelo mesmo motivo: falta de confiança na justiça e na capacidade de intervenção das forças policiais.

O episódio ético: o Sr. BC deslocava-se para o seu trabalho por volta das 8h30 no seu automóvel quando o imprevisto se deu. Por breves momentos deixou de ver (literalmente, por causa do reflexo solar matinal) e por centímetros não atropelou uma senhora na passadeira. Deslocava-se a cerca de 40km/h e encostou rapidamente o carro. Saiu, e apesar de não ter atropelado ninguém, fez questão de ir pedir desculpa pessoalmente à senhora, que aceitou prontamente o pedido de desculpas. Entretanto, outra transeunte, com o seu belo rafeiro por perto, fez questão de chamar os mais variados nomes ao Sr. BC desde que este saiu do veículo para se desculpar. "Minha senhora, como deve calcular, não estava nos meus planos atropelar quem quer que fosse. Apesar de não ter atropelado a outra senhora, parei o carro para certificar-me que estava tudo bem e pedir desculpa. Não foi nada consigo, para quê esse discurso?" A simpática senhora continuou. Um polícia que passava perto perguntou o que é que se passava enquanto a senhora continuava o seu monumental discurso. O Sr. BC farto e revoltado pediu ao polícia que identificasse aquela senhora para apresentar queixa por ofensas verbais. A senhora lá amainou o discurso.
Devia o Sr. BC ter seguido o seu caminho? Afinal de contas, não chegou a atropelar ninguém. O meu nano inquérito revelou que das 10 pessoas entrevistadas 7 teriam seguido viagem. Escrúpulos, justiça ou sociedade?

Aceitam-se culpados.

1 comment:

Cris said...

Bom exemplo de cidadania e integridade é encontrar na rua 9.300,00€ e entregá-los à policia para serem devolvidos ao dono. E esta cidadã tem nome: Luzia Rocha. Vejam o filme em:

http://sic.sapo.pt/online/video/informacao/noticias-pais/2009/9/padeira-de-braga-encontrou-na-rua-9-mil-euros-chamou-a-gnr-que-entregou-o-dinheiro-ao-dono.htm