Wednesday, October 21, 2009

Pingo Doce e Saramago


Dois temas distantes mas que têm algo em comum: a nossa capacidade de prestar atenção e dissecar temas que não interessam nem ao Menino Jesus.

Primeiro, o Pingo Doce. Não sei quais eram os objectivos de comunicação do Pingo Doce para esta campanha, mas pode garantir-se que o da notoriedade foi cumprido com toda a certeza. Goste-se ou não, Portugal em peso fala da famigerada campanha. Uns dizem que é demasiado longa, outros que não podem com a voz da cantora, outros dizem que tem demasiados chapéus, alguns demasiados sorrisos e a lista continua entre impropérios e divagações.
Perde o Pingo Doce clientes com esta campanha? Não. Acho que é capaz de ganhar até, tal é o alarido que a coisa tem criado. Só no final da campanha se podem avaliar os estragos (ou recolher os louros). Pessoalmente também não gosto do anúncio, mas acredito que cumpra os seus objectivos (pressupondo apenas quais são na medida em que não tenho acesso aos dados da agência). À parte da qualidade cinematográfica da coisa, era interessante estabelecer uma relação de comparação entre a participação em actos eleitorais e os movimentos que se juntam em torno de coisas infrutíferas (peço desculpa a todos os que aderiram ao movimento em causa) como o grupo do Facebook anti-spot do Pingo Doce ou as petições online para terminar com o anúncio.

Saramago. Um anti-bíblico como tantos outros, terá dito que a Bíblia "é um manual de maus costumes" no âmbito do lançamento do seu novo livro, Caim. A reacção da Igreja não se fez esperar e mandou Saramago ler a Bíblia. Saramago disse hoje que a Bíblia é o livro mais falado e menos lido (o que não corresponde à verdade.. a Bíblia é o livro mais lido do mundo). Este tipo de discussões até pode gerar conversas interessantes, na medida em que, as questões que envolvem o Homem, a sua origem e aquilo que o transcende (ou não) são matéria para profundas reflexões e debates vivos. Aquilo que se conseguiu espremer da polémica (que já agora, e tal como no caso do Pingo Doce, vai ajudar a vender o livro) foi a declaração de um eurodeputado do PSD, um tal Mário David, que segundo consta, sugeriu a Saramago a renúncia à nacionalidade portuguesa. No topo da sua sapiência (?) terminou dizendo que não vai ler o livro. Que crítica patética é esta? Tal como o eurodeputado disse e bem, tem o direito à indignação, mas caro amigo, se fundamentar a sua crítica, o povo agradece. De outra forma, um papagaio de mesa do café mais próximo faz o mesmo que sua Excelência. Criticar sem ver, um novo artifício disponível em Bruxelas.

Em ambos os casos, a indignação é analisada de um ponto de vista medieval, ou seja, não se gosta de uma coisa, portanto, devemos eliminá-la. O anúncio do Pingo Doce literalmente e Saramago expulso do país. Eu como disse, também não gosto do anúncio, mas entendo que possa cumprir os seus objectivos e vejo o levantamento público em torno de um mau anúncio com alguma preocupação. Com igual preocupação vejo, as ondas de choque criadas pelas afirmações de Saramago: conseguiremos algum dia ser religiosos e tolerantes ao mesmo tempo?

2 comments:

C.Valladares said...

Admiro alguém criticar sem ver, sem ler, sem compreender, sem analisar, sem estudar...criticar por criticar! É a mesma coisa dizer que o Paulo Coelho é óptimo escritor sem nunca ter lido, eu detesto... mas eu li! Esse tema daria muitas linhas por escrever ainda Miguelito.... =)

Ricardo Rodrigues said...

Pessoalmente também não gosto da campanha do Pingo Doce, mas de certeza que quem a desenvolveu não está preocupado com a minha opinião.
Está sim preocupado como a opinião do público-alvo, aqueles que certamente também não gostaram de ver peixes a arrotar na campanha da Yorn!!!
Ou acham que se faz uma campanha que atinge e, principalmente, agrada a todos????