Thursday, November 19, 2009

Cartas de Agradecimento - O Divórcio


A instituição divórcio, escreve uma carta ao estado português, agradecendo a constante evolução da sua quota de mercado.

"Digníssimos Senhores,

Durante o período a que suas excelências apelidam de "tempo da outra senhora" eu praticamente não existia no vosso país. Fiz muita pressão junto dos órgãos de comunicação social, tentando associar a minha existência, a uma sociedade aberta, moderna e desenvolvida, onde a liberdade de cada um era agora mais abrangente. O amor, queria eu que vocês entendessem, não era para toda a vida. E não sendo para toda a vida, o divórcio era inevitável. Mas no "tempo da outra senhora" ninguém acreditou em mim. A família, era o núcleo da sociedade. E assim, assisti, impávido e pouco sereno devo dizer, à construção de eternas histórias de amor. Ou pseudo-amor? Bom, vamos acreditar por agora, que seriam histórias de amor. E a paranóia pelo casamento foi de tal ordem, que enviavam vocês rapaziada para a guerra e as meninas casavam-se por procuração. E onde é que já se viu isto, um casamento sem noite de núpcias? Onde é que andava toda a gente com a cabeça?

Aquando da queda "da outra senhora" veio a liberdade e eu claro, não me fiz rogado e entrei país adentro. Onde chega a Coca-Cola, chega o divórcio. Eu, gostem ou não, faço parte da evolução social. Um homem ou uma mulher toma uma decisão, arrepende-se e tem como dar a volta a coisa. À custa, por vezes, de muito dinheiro é certo, mas ainda assim, tem como dar a volta. Não compreendo, de todo, a revolta de algumas instituições, religiosas por exemplo, contra a minha condição. Clamam o livre arbítrio para a humanidade, mas reduzem-nos a um amor que se revela a longo prazo moribundo e arcaico. O amor humano? Não me façam rir.

Compreendo por outro lado, que existe uma motivação económica agregada ao casamento. Faz parte da sua génese e contra isso, nada de nada. Agora, porque é que uma pessoa tem que morrer agarrada a outra só porque no início da vida teve que.. tratar da vida? E os que se casam com a paixão a sair-lhes pelas orelhas? Que não percebem que a paixão é o mais insidioso dos sentimentos? E que gostem ou não, passa. Não como vento, mas passa. E a teoria que depois da paixão vem o amor, não é uma teoria. Para o ser, precisaria de ser demonstrada, e quem, no seu perfeito juízo, consideraria o amor a médio prazo, uma verdade demonstrada?

Aproveito hoje, o dia do meu aniversário, para agradecer o vosso empenho tremendo em aumentar a minha taxa de ocorrência. Em Portugal, ao que parece, metade das pessoas que se casam, divorciam-se. Uns redondos 50%. Sei também que à volta de 70% desta taxa se deve a problemas financeiros, coisa que no vosso país, é o status quo. Este factor aliado à ideia de que o casamento é uma das vias para a felicidade, garante-me um futuro risonho. Deixo-vos um conselho e contra mim falo: não hipotequem a felicidade dos vossos cidadãos em nome da natalidade. A vossa libertação não deve depender de um papel.

2 comments:

C.Valladares said...

Perfect Miguelito...concordo em género, número e grau. "...Clamam o livre arbítrio para a humanidade, mas reduzem-nos a um amor que se revela a longo prazo moribundo e arcaico. O amor humano? Não me façam rir... " Gostei mto.

Ana Ribeiro said...

Eterno, é tudo aquilo que dura uma fração de segundo, mas com tamanha intensidade, que se petrifica, e nenhuma força jamais o resgata....
Carlos Drummond de Andrade