Na nossa sociedade, existe uma tendência generalizada, para valorizar aspectos relacionados com a personalidade do indivíduo. A boa disposição, a determinação, o espírito de iniciativa e até o aspecto exterior (roupa, traços faciais etc..) são determinantes na forma como a imagem de alguém é percepcionada pelo comum dos mortais.
Como sabemos, o nosso primeiro ministro demissionário, cumpre todos estes requisitos: é simptico, afável, tem uma excelente capacidade oratória, é determinado e emana absoluta confiança relativamente às suas opiniões e convicções.
Infelizmente, não conseguimos pagar as nossas contas, nem melhorar a nossa condição, dizendo que temos um primeiro ministro à prova de bala. Só o conseguimos fazer se o dito responsável, conseguir que o país cresça ao ritmo dos seus parceiros europeus.
Ultimamente, e muito por causa das eleições que se avizinham e também pela intervenção a nível financeiro que o país sofreu, tenho falado com muitas pessoas sobre a matéria. Acho curiosíssimo, que se continue a engalanar o primeiro ministro demissionário e inclusive a considerá-lo, como uma boa opção para o próximo governo. Repare, não estou a dizer para votar PSD, CDS, BE ou PCP. A minha perplexidade centra-se na ideia de ver Sócrates novamente no governo. Vou tentar explicar a razão do meu espanto.
Ponto 1: Portugal teve que recorrer a uma intervenção conjunta do FMI (Fundo Monetário Internacional) e da UE (União Europeia). Nenhum país do mundo, repito, nenhum, recorre a uma solução destas a não ser que seja absolutamente necessário. Fá-lo porque não tem como continuar a honrar os seus compromissos e só com dinheiro vindo do exterior pode continuar a fazê-lo.
Ponto 2: Não se pode atribuir à crise financeira de 2007/2008, o pedido de ajuda que agora foi feito. Muito menos às agências de rating. Enquanto que é verdade que essa crise trouxe efeitos nefastos à economia mundial, não quer dizer que o mundo inteiro tenha recorrido a ajuda financeira. Na Europa, só a Grécia e a Irlanda fizeram o mesmo, e no mundo inteiro, só a Islândia teve problemas a sério (declarando bancarrota). O governo demissionário centrou muito a questão da necessidade do pedido de ajuda no chumbo do PEC4 e na especulação efectuada a partir das agências de rating. Convém entender para que é que servem as agências de rating: um investidor baseia-se na notação dada por estas agências para efectuar os seus investimentos, seja numa área específica, seja num banco, numa petrolífera, ou na compra de divída de um país. A notação de Portugal foi descendo ao longo do tempo porque os investidores foram acreditando de forma cada vez mais premente, que mais cedo ou mais tarde, Portugal não ia conseguir cumprir com as suas obrigações. Não acredita? Pois bem: Portugal não cresce a mais de 2% desde o ano 2000. Sabemos que o nível mínimo de crescimento para gerar emprego e fazer face a responsabilidades típicas de um estado social, é de 3%. O nível de endividamento de Portugal está perto dos 100% do PIB, ou seja, para toda a riqueza que produzimos, pedimos o mesmo valor ao exterior para pagar contas. O défice do estado, nestes 10 anos, ficou apenas duas vezes abaixo dos 3% e entrámos também duas vezes em recessão técnica. Ao mesmo tempo, a despesa foi aumentando até aos actuais 48% do produto. Fazendo uma analogia simples, vamos considerar o exemplo de uma mercearia. Se o senhor da merceria não aumenta as suas vendas, a cada ano que passa é sobrecarregado com mais responsabilidades e as suas despesas aumentam, só lhe restam duas hipóteses: ou fecha a porta, ou pede um financiamento para continuar com ela aberta. De início, quando o senhor vai ao banco, o primeiro empréstimo é efectuado. Mas o tempo passa, e esgotado esse crédito, o senhor da mercearia pede o segundo crédito. Questionado pelo banco, sobre o crescimento das vendas, ele responde que continua tudo na mesma. Questionado depois sobre a despesa ele diz que as mesmas aumentaram por várias razões. Questionado por último sobre as perspectivas de crescimento, ele diz que as coisas hão-de melhorar e que precisa mesmo deste dinheiro para fazer uma remodelação na loja e tentar chamar mais clientes. O banco acha que é uma boa ideia e empresta o dinheiro ao senhor da loja. Mas como tem mais risco e as perspectivas de sucesso são relativamente fracas,cobra-lhe um juro mais alto. Como o senhor da mercearia quer muito continuar com o seu querido negócio, não tem outra alternativa senão aceitar. Contudo, a situação permanece igual dois anos depois. Vai de novo ao banco e explica a situação novamente. O senhor do banco explica-lhe que não tem condições para lhe emprestar mais dinheiro porque claramente, gastando mais do que aquilo que consegue vender, provavelmente, o senhor da mercearia não vai conseguir pagar o dinheiro que o banco lhe emprestou. Sem alternativas, o senhor fecha o negócio. Foi isto que aconteceu com Portugal: os nossos credores deixaram de acreditar que conseguiriamos honrar os nossos compromissos. Porque não conseguimos crescer, porque aumentamos a despesa de forma violenta (48% do PIB), porque nos endividamos de forma severa (100% do PIB) e porque o plano que temos implica ainda mais despesa. Esta história das apostas em infraestrutura já não é utilizada por nenhum país desenvolvido. Foi feito no período pós-guerra porque era necessário reconstruir países. A aposta agora é em indústria forte capaz de exportar bens transacionáveis e na exploração de recursos que permitam fazer o mesmo e aumentar a independência do país a vários níveis (alimentar, energético, etc..). A cantilena do PEC4 e das agências de rating servem apenas para maquilhar a verdade: ficámos sem dinheiro, porque não produzimos riqueza suficiente. É importante lembrar: a riqueza só pode ser redistribuida se for produzida. Plain and simple!
É importante - independentemente da decisão que tomar nas próximas eleições - deixar de lado características de personalidade dos intervenientes políticos e levar em linha de conta, o que é que pode colocar o país a crescer. Não existe outra maneira. A aposta em infraestruturas dos últimos dez anos tiveram um retorno miserável, não podemos continuar a apostar no mesmo, sob pena de termos um problema de contas públicas crónico.
Sobre o fantasma estado social: o PS normalmente intitula-se como o grande guardião do estado social. A questão é esta e desculpe se me volto a repetir. O estado social só funciona se for financiado. É importante então, perceber como é que esse financiamento será feito (até à data tem sido com impostos e financiamento exterior através da emissão de dívida). Nas circunstâncias actuais e sem dinheiro, aquilo a que vamos assistir é a uma deteriorição progressiva do mesmo. O dinheiro não vem do ar!
Monday, May 9, 2011
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