Tuesday, March 16, 2010

Limites


A sociedade evoluiu. Apesar de todas as imperfeições que rodeiam os pilares que sustentam este tempo em que vivemos, podemos dizer com segurança, que o ser humano (em algumas partes do globo) e a forma como se relaciona quer com o meio, quer com outros seres humanos, conheceu uma distinta evolução nas últimas décadas.

Em termos de incumprimento de regras e respectiva punição por exemplo, demos um salto do absolutismo para o relativismo, que trouxe consigo a compreensão, o lado humano das coisas e a segunda oportunidade. Neste âmbito, posso também julgar com certeza, que o sistema de penalização legal português é por todos conhecido como sendo injusto: é caro, brando nas penas que aplica e dado a minudências que permitem aos culpados fugir às suas responsabilidades e deixar o apuramento da verdade perdido algures num arquivo. É nesta altura que chegamos à palavra que dá título a este texto: os limites, ou seja, o que é sensato.

Ficamos revoltados quando vemos um poderoso escapar à Justiça depois de ter desviado milhões de euros. Mas muitos de nós ficariam também revoltados se se mandasse cortar a mão a um toxicodependente por este ter assaltado um automóvel. Queremos castigos, mas não somos bárbaros (apesar de alguns continuarem a julgar que o sistema medieval é o melhor sistema).

Contudo, não se deve confundir evolução social com brandura. Recentemente, um pedófilo e um violador foram apanhados pelas autoridades. Um abusava de crianças enquanto desempenhava as suas funções de monitor de uma colónia de férias, o outro, é o badalado violador de Telheiras. Vejo com alguma apreensão, a forma como alguma comunicação social tem transmitido o desenvolvimento destes casos: o pedófilo é apresentado como uma pessoa doente, com uma patologia que não se cura assim sem mais nem menos, e que portanto merece toda a nossa bondade e compreensão. Uma criança é um ser que não tem qualquer defesa. É facilmente manipulável, não distingue bem se o que lhe estão a fazer é certo ou errado e sabemos que os traumas que dali resultam ficam para o resto da vida. Para além disso, o crime de pedofilia consegue ser mais grotesco que o da violação: enquanto que numa violação a vítima é obrigada a ter relações (por si só algo já hediondo), a pedofilia implica um jogo de manipulação, de construção de confiança com a criança, levá-la a praticar aqueles actos como se estes fossem da sua vontade. Toda esta premeditação deve ser ponderada para lá do elemento patológico. Uma coisa é um esquizofrénico esfaquear um inocente porque uma voz lhe disse que aquela pessoa constituía um perigo (também condenável, mas compreensível no âmbito da sua doença). Outra é seduzir uma criança ou um adolescente horas a fio num chat com o intuito de abusar sexualmente dessa pessoa. A loucura não pode servir para desculpar tudo.

Se como clamam os ultra-humanistas (que o são apenas até o azar lhes bater à porta), que o problema destes senhores é mental, ou seja, os seus ímpetos sexuais por muito que sejam contrariados irão sempre incidir sobre crianças, devemos então fazer o que for necessário para impedir estas pessoas de viver em sociedade. Trancá-los para sempre, que seja. Se nenhuma das ciências à disposição do Homem consegue garantir que um tipo destes depois de estar dez anos preso, vá reincidir em actos da mesma natureza, pois que esperem trancados por uma avaliação correcta.

Admira-me imenso confesso, as nossas concepções portuguesas sobre distintos ideais, como o da liberdade. Por um lado, o mínimo episódio que coloque em causa a nossa liberdade de expressão ou opinião, é atacado com a ferocidade digna de um revolucionário (a recente lei da rolha no PSD por exemplo). Por outro lado, quando chega a altura de defender uma liberdade básica, o direito de não ser violado ou abusado, muitas pessoas refugiam-se no problema mental dos agressores para justificar penas de prisão brandas. Algo contraditório?

O direito de uma criança viver a sua vida em segurança deve sobrepor-se ao direito de um tipo ser doente mental. A nossa compreensão deve ser dirigida aos mais fracos primeiro, este também, um dos pilares da nossa civilização. E uma criança é um ser mais indefeso que um alegado doente mental, que planeia e premedita o seu crime ao milímetro.

Enquanto a sociedade insistir nesta abordagem, a evolução do absolutismo para o relativismo que eu elogiava no início, corre o risco de ficar presa numa ditadura relativista, onde os crimes sobre os mais fracos, ganham um estatuto de crescente compreensão no que aos agressores diz respeito. As vítimas serão sempre, o lado mais fraco da equação.

A evolução social, depende não só da nossa flexibilidade e compreensão, mas também, daquilo que nos recusamos a aceitar. Qual é o seu limite?

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