Sunday, October 26, 2008

Cada tiro, cada melro


Assim foi com João Pereira Coutinho, habitual escriba do Expresso, que divide a sua crónica em Inferno, Purgatório e Paraíso, mas que esta semana primou por uma escrita a que de forma simpática se pode classificar de facciosa. Conhecido homem da direita e das políticas que dela resultam e que salvam o mundo da perdição, na primeira parte do seu artigo (Inferno) brinda-nos com a seguinte pérola, qual Eça-wannabe do presente século: "NÃO FREQUENTO o Bairro Alto. Seja em Lisboa ou no Rio de Janeiro, favelas não fazem o meu género." Só para que conste o artigo em questão perora sobre uma medida de António Costa, actual presidente da CML, relativa à prevenção de grafittis na zona em questão. O Bairro Alto, uma favela? Que me diga a mim Pereira Coutinho, onde se encontram habitações na alegada favela, a preços de favela? Favela estranha esta, onde o m2 é quase tão elevado quanto o ego de Pereira Coutinho.

Prossegue a novela na secção Purgatório. Note-se antes de mais, semana atrás semana, a azia de Coutinho perante a eminente vitória de Obama nas eleições; não consegue digerir o acontecimento de forma alguma. Acho piada que semanas e semanas a crucificar Obama agora já lance um agradável "Primeiro, que a esquerda vai ter uma desilusão profunda com o Santo Obama (para meu infinito sorriso)." Reposicionamento estratégico. Seja a política mais à esquerda ou à direita, tem sempre como disparar: à esquerda vamos ouvir um "eu avisei", e à direita "bem vos disse esquerda que me ia rir". Qual chico-esperto de 7º ano, no fim o berlinde é sempre dele. Entretanto, relata um episódio de um colega que levou uma t-shirt de Mccain para o trabalho e que alegadamente terá sido olhado de lado por do último ser apoiante. Imaginei-me a mim próprio a levar uma t-shirt de Gordon Brown para o trabalho e a ter provavelmente o escritório inteiro a pensar que o meu cérebro já teve dias melhores. Mas, tudo bem, os cronistas são pagos para ter capacidade de antevisão.

Cereja em cima do bolo: chateado com o facto de o mercado entregue a si próprio se desmoronar, ou seja, bye bye ultra liberalismo, chateia-se com toda a esquerda, Saramago incluído, e culpa 2 milhões de pessoas pertencentes a minorias étnicas dos EUA pela presente crise. Que os bancos foram forçados a dar crédito a estas almas sob pena de lhes serem restringidas algumas benesses e segundo Coutinho "Os bancos, pressionados, limitaram-se a baixar as orelhas e a trilhar a corda bamba. Deu no que deu." Produtos derivados? Taxas de exposição a bens mobiliários de 400%? Bancos falidos com prémios para gestores de topo no valor de 200 milhões de dólares? Economia de casino? Tudo à conta de um estado que obrigou os bancos a emprestar dinheiro a 2 milhões de almas num aquário de 300 milhões? Só mesmo, no Paraíso de Pereira Coutinho.

No comments: