Friday, December 18, 2009
Cartas Soltas - Empregado de Luxo
Um empregado de um restaurante de luxo, invectiva sobre os detalhes pitorescos dos seus últimos 30 anos.
"Nos últimos 30 anos, fui desenvolvendo relações nalguns casos, de amizade com muitos dos clientes que passaram por este balcão. Estão a ver aquele estereótipo do tipo que se senta num balcão depois de ser despedido? Eu sou o gajo que ouve e serve os whiskies de 50 euros o copo. Durante este tempo, aprendi bastante. As pessoas com muito dinheiro até nem são antipáticas de todo. Comecei a interessar-me pelos assuntos que me iam chegando aos ouvidos. E gostava de ler nos semanários, notícias sobre as pessoas que servia tantas vezes. Curiosamente, os que pareciam super simpáticos na televisão revelavam-se autênticos trastes. O mesmo para os que pagavam com o bendito cartão de crédito com a inscrição DR.
Muitos familiares e conhecidos meus perguntavam-me o que é que levava as pessoas a gastarem tanto dinheiro em comida. Eu que estou dos dois lados do balcão, tentei explicar, em vão diga-se de passagem, que a questão não era a comida. Para além da comida ser de facto, diferente do restaurante onde eu vou quando as minhas filhas fazem anos, a prestação do serviço em si, é outra loiça. Como dizem os experimentados homens do marketing, aquilo não é um almoço ou um jantar. É uma experiência. A sincronização dos empregados, a atenção ao ponto de não ter que levantar o dedo para que lhe encham de novo o copo, a delicadeza do trato e a simpatia crónica sem o sentido depreciativo do termo. Isto tudo junto, vale dinheiro. Bastante dinheiro. Mas deve ser daquelas coisas que só passando por elas. É a mesma coisa que a psicologia penso eu. Ora, que qualificações tenho eu para ouvir gente que tem problemas que eu nunca hei-de ter na vida? Nada. Sirvo lagosta ao balcão. Por exemplo. Devo ter aquela coisa de ser bom ouvinte. Não sei como é que o faço. Mas faço. E resulta pelos vistos. Senão não tinha durado 30 anos aqui. Os empregados mais novos dizem que já devo 10 anos à terra. E eu acho o mesmo. Mas gosto disto. Vivi uma vida de rico, sendo remediado. Ou melhor, conheci-a de perto. E fiz parte dela de certa forma. No meu caso, tal como os clientes, fui mais que um empregado de balcão. Isto também, foi uma experiência. Do caraças."
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